Porcelana de Ossos e Hidroxiapatita

(texto de Ricardo Yoshimitsu Miyahara)

Porcelana de Ossos

A Porcelana de Ossos é considerada uma cerâmica de corpo muito especial, cujas matérias-primas são compostas por aproximadamente metade de cinza de ossos, junto a pequenas quantidades de caulim e sílica1,2 ou outros compostos como caulim (na Inglaterra, “china clay”) e feldspato. Na Inglaterra, ao invés do feldspato, ela era originalmente fabricada com a matéria-prima denominada Cornish Stone3, tipo de mineral local do grupo dos feldspatos que também contém quartzo.

China clays (ou argila chinesa, ou simplesmente caulim) representam um dos principais componentes na fabricação de artigos de cerâmica branca, uma vez que eles são as únicas argilas cujos conteúdos de ferro são suficientemente baixos para resultar na cor branca e característica translúcida do produto queimado. Isso se aplica também à porcelana de ossos. China clays possui uma grande quantidade de caulinita e um pouco de feldspato4.

As características particulares da porcelana de ossos são a alvura, translucidez, vitrificação, qualidade da decoração e também elevada resistência. Esses atrativos combinados de propriedades resultam em uma porcelana de ossos, sendo um dos tipos de porcelana de mesa mais atrativos e caros do mundo, conforme Figura 1.

Figura 1: Porcelana de Ossos: Elevada alvura, translucidez e elevada resistência mecânica (foto: Miyahara, R. Y.).

A porcelana de ossos era um produto especificamente inglês até o século XIX, quando foi então introduzida em uma fábrica na Suécia. Somente a partir de 1960 é que passou a ser produzida, independentemente, em pequenas fábricas, em outros países da Europa e fora do continente europeu: nos EUA, Canadá, Irlanda, Alemanha, Rússia e Japão3. Entretanto, a Inglaterra é o único lugar onde a porcelana de ossos tem sido fabricada extensivamente, ao lado da sua porcelana tradicional. Isso é devido, em parte, à tradição cultural daquele povo e, em parte, às suas propriedades atraentes, tais como a elevada resistência mecânica do corpo queimado, sua transparência e cor. A peça é queimada a uma temperatura de aproximadamente 1250ºC, resultando num material com uma absorção de água final de 0,3 a 2,0%1.

Sem dúvida, um dos principais motivos da grande aceitação da porcelana de ossos é a sua propriedade óptica. O elevado índice de refração do vidro e a pequena quantidade de mulita presente contribuem para o alto grau de translucidez desse corpo cerâmico. Além disso, o material apresenta coloração bem branca.

De uma maneira geral, a porcelana de ossos nunca foi um produto fácil de se produzir, mas com o aumento do conhecimento das propriedades dos ossos (como por exemplo, a compreensão de como a química e a física do sistema afetam as propriedades), a produção de porcelana de ossos foi gradativamente se tornando cada vez menos uma arte e mais uma ciência5

Cinza de Ossos – Hidroxiapatita

Para obtenção de hidroxiapatita proveniente de ossos bovinos, é possível obter com o uso de autoclave para posterior limpeza manual para minimizar a quantidade de materiais orgânicos, o que torna com aparência de ossos envelhecidos, como mostra a Figura 2a. Após esse processo os ossos são calcinados e apresentaram uma aparência de material de composto mineral com excelente alvura, como mostra a Figura 2b.

Figura 2: Ossos in natura a) antes e b) depois da calcinação (foto: Miyahara, R. Y.).

Após tratamento térmico, a difração de raios X da cinza de ossos demonstra a obtenção de hidroxiapatita, conforme Figura 3. As curvas mostram que após calcinação dos ossos, a composição da fase cristalina é constituída apenas de hidroxiapatita (HAP)6.

Figura 3: Curva de difração de raios X de ossos calcinados em diferentes temperaturas, mostrando que só existe hidroxiapatita em sua fase cristalina.

Hidroxiapatita

Hidroxiapatita (HAP) – Ca10(PO4)6(OH)2, um dos materiais mais promissores na área cerâmica, é um material particularmente atrativo, o qual tem recebido uma atenção considerável nas últimas duas décadas para implantes ósseos e dentários, devido à sua composição química ser similar ao osso natural e excelente biocompatibilidade e bioatividade. Como um biomaterial, HAP é usada principalmente na forma cerâmica fabricada pela sinterização em temperaturas entre 1000 e 1350 ºC, ou recobrimento de HAP sobre implantes produzidos comumente por plasma em temperaturas que podem chegar a 10.000ºC.

O principal constituinte dos ossos é um mineral de fosfato de cálcio, que é similar em composição e estrutura aos minerais dentro do grupo das apatitas, o qual existe naturalmente na Terra.

O termo apatita (Ca5(PO4)3X) refere ao grupo de diferentes minerais que são de interesse de pesquisas multidisciplinar e aplicações. As principais variações que existem são as hidroxiapatita (apatita mais o íon OH), flourapatita (F) e clorapatita (Cl).

A hidroxiapatita pode ser utilizada para fabricação de porcelana de ossos, e também por ser compatível com os ossos humanos é muito usada como biomateriais ou biocerâmicas.

Referências:

1. Norton, F.H. Introdução à Tecnologia Cerâmica. 2 ed. Edgard Blücher, São Paulo, 1984.

2. Dinsdale, A. Pottery Science Material, Process & Products. John Willey & Sons, Chichester, UK, 1986.

3. Rado, P. An Introduction to the Technology of Pottery. 2 ed. The Institute of Ceramics, Pergamon Press, Oxford, 1988.

4. Carty, W. M.; Senapati, U. Porcelain – Raw Materials, Processing, Phase Evolution, and Mechanical Behavior. J. Am. Ceram. Soc., v.81, n.1, p.3-20, 1998.

5. Cooper, J.J. Bone for Bone China. Brit. Ceram. Transac., v.94, n.4, p.165-168, 1995.

6. Miyahara, R. Y.; Gouvea, D.;S.M. Toffoli. Obtenção e caracterização de cinza de ossos bovinos visando a fabricação de porcelana de ossos – bone china ceramica, v.53, p 234 239, 2007