Imprensa feminina e pedagogia do gênero

Nincia Cecilia Ribas Borges Teixeira

Introdução
A partir da análise de revistas produzidas no Paraná no início do século XX, que vive o ápice de seu processo de modernização/modernidade, busca-se recuperar as representações femininas, os aspectos do cotidiano que apontem conflitos e tensões decorrentes da inserção das mulheres no espaço público, por meio da análise do periódico O Olho da Rua. O objetivo da pesquisa é investigar os modelos de conduta disseminados nessas sociedades, identificando as representações construídas nos imaginários do período, bem como os costumes, hábitos e idéias que pelo impresso eram dispostos. Observam-se, também, os indícios reveladores da presença feminina, buscando-se formas de ser, de estar no cotidiano.

O século XX foi um período marcado por inúmeras tensões, mas também foi um século de conquistas e de grande visibilidade, em especial para as mulheres. No Brasil, a situação das mulheres era semelhante ao que ocorria no restante do mundo. No início, apenas a elite brasileira – econômica e cultural – discutia ideias feministas; depois, com a inserção de imigrantes nos espaços sociais, entre as décadas de 1920 a 1940, doutrinas e ideias libertárias estiveram acessíveis à camada das trabalhadoras.

As mulheres sofreram ao longo da história um processo de silenciamento e exclusão. O sujeito que fala é primordialmente masculino, na literatura, na lei e na mídia. A ele são reservados os lugares de destaque. Segundo Mikhail Bakhtin (1992), o discurso não é fechado em si mesmo e nem é do domínio exclusivo do locutor: aquilo que se diz só significa em relação ao que não se diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos. A exclusão histórica da autoria feminina no campo institucional da imprensa foi resultado de práticas políticas no campo do saber que privilegiaram a enunciação do sujeito dominante da cultura, o sujeito declinado no masculino. A produção de autoria de mulheres sempre colocou os críticos do passado na defensiva, por várias razões, dentre elas o puro preconceito de uma sociedade atrelada a valores patriarcais, para não dizer machistas, que reservava à mulher o papel mais edificante e, a propósito, visto como mais condizente com suas capacidades mentais, ou seja, a de reprodutora da espécie. Assim, a criação cultural da mulher sempre foi avaliada como deficitária em relação à norma de realização estética instituída, obviamente, do ponto de vista masculino.

A experiência feminina sempre foi vista corno menos importante no espaço da cultura, assim as imagens construídas acerca do feminino impunham limtações e lhe apontavam o papel de musa ou criatura, o que a excluía automaticamente do processo de criação, especialmente no início do século XX, muitas mulheres tiveram que lutar contra as incertezas, ansiedades e inseguranças quanto ao seu papel de autora e quanto à sua autoridade. Desafiando o processo de socialização e transgredindo os padrões culturais, tais escritoras deixaram como legado uma tradição de cultura feminina que, muito embora desenvolvida dentro da cultura dominante, força a abertura de um espaço dialógico de tensões e contrastes que desequilibra as representações simbólicas congeladas pelo ponto de vista masculino.

Em 1970, começa a se evidenciar o debate, hoje irreversível nos meios políticos e acadêmicos, em torno da questão da “alteridade”. No plano político e social, esse debate ganha terreno a partir dos movimentos anticoloniais, étnicos, raciais, de mulheres, de homossexuais e ecológicos que se consolidam como novas forças políticas emergentes. No plano acadêmico, Foucault, Barthes, Derrida e Kristeva aprofundam os debates acerca do descentramento da noção de sujeito, introduzindo, como temas centrais do debate acadêmico, as idéias de marginalidade, alteridade e diferença. Assim, é notória a transformação pela qual a crítica feminista passou, juntamente com outras abordagens de crítica literária. Surge daí uma posição mais crítica das pessoas em relação à literatura, mas resulta, principalmente, num maior engajamento político das mulheres. A partir de 1970, a mulher torna-se centro de estudo na crítica literária, despontam estudos da mulher nas ciências sociais, abordando-a nos seus aspectos histórico, psicológico, social, dentre outros.

Constância Lima Duarte (2003), em seu estudo “Feminismo e Literatura no Brasil”,
discorre sobre trajetória do movimento feminista no Brasil, com a intenção de identificar
momentos representativos deste diálogo, a inserção do pensamento feminista na prática
literária de nossas escritoras, a interiorização da perspectiva feminista e a historicização
do conceito. A pesquisadora considera que essa história teve início nas primeiras décadas
do século XIX – o momento em que as mulheres despertam do “sono letárgico em que jaziam”, segundo Mariana Coelho (2002). Duarte sugere que a história do feminismo brasileiro é marcada pela existência de pelo menos quatro momentos que por não serem, tais momentos conservam uma movimentação natural em seu interior, de fluxo e refluxo, e costumam, por isso, ser comparados a ondas.

A Primeira Onda é a fase que corresponde às primeiras letras. O nome que se destaca nesse momento é o de Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), nascida no Rio Grande do Norte, que residiu em Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro, antes de se mudar para a Europa, e que teria sido uma das primeiras mulheres no Brasil a romper os limites do espaço privado e a publicar textos em jornais da chamada “grande” imprensa.

A Segunda Onda surge por volta de 1870, e se caracteriza principalmente pelo espantoso número de jornais e revistas de feição nitidamente feminista, editados no Rio de Janeiro e em outros pontos do país. Talvez fosse o caso de considerá-la, por isso, menos literária e mais jornalística. Destacam-se: Francisca Senhorinha da Mota Diniz diretora do Jornal O sexo feminino; Amélia Carolina da Silva Couto editora do Echo das damas. Dentre tantas jornalistas, Constância Duarte destaca, ainda, Josefina Álvares de Azevedo que com mais ênfase vai questionar a construção ideológica do gênero feminino e exigir mudanças radicais na sociedade.

A Terceira onda começa no século XX inicia com uma movimentação inédita de mulheres mais ou menos organizadas, que clamam alto pelo direito ao voto, ao curso superior e à ampliação do campo de trabalho, pois queriam não apenas ser professoras, mas também trabalhar no comércio, nas repartições, nos hospitais e indústrias.Muitos nomes se destacam, entre eles o de Bertha Lutz (1894-1976), formada em Biologia pela Sorbonne, que vai se tornar uma das mais expressivas lideranças na campanha pelo voto feminino e pela igualdade de direitos entre homens e mulheres no Brasil. Outra inesquecível foi Ercília Nogueira Cobra (1891-1938), que no importante ano da Semana de Arte Moderna, lançava seu primeiro livro, Virgindade inútil – novela de uma revoltada (1922), dando início a uma obra polêmica que pretendia discutir a exploração sexual e trabalhista da mulher, e provocou intenso debate e muita crítica entre os contemporâneos.
A Quarta Onda chega juntamente com os anos 1970: o momento da onda mais
exuberante, a que foi capaz de alterar radicalmente os costumes e tornar as reivindicações mais ousadas em algo normal. Encontros e congressos de mulheres se sucedem, cada qual com sua especificidade de reflexão, assim como dezenas de organizações, muitas nem tão feministas, mas todas reivindicando maior visibilidade, conscientização política e melhoria nas condições de trabalho.
Na formação da sociedade paranaense, podem-se visualizar traços culturais variados e distintos que se mesclaram e deixaram marcas no comportamento provinciano e conservador de seu povo, especialmente, quanto se refere à conduta feminina. O comportamento da mulher paranaense, conforme o lugar que ocupa dentro dessa sociedade, é permeado de regras e traços de uma sociedade agrária, que exige um comportamento recatado e doméstico próprio dos costumes da vida nas fazendas, regras que estão enraizadas não só na classe dominante, mas que também orientam o comportamento das famílias de classe alta e média, as quais exigem que a mulher tenha uma “boa formação”: escolas religiosas e façam um casamento com bons partidos. Mas, na realidade, sob o manto da permissividade ou do respeito a todas as expressões individuais e coletivas, está um Paraná austero, conservador em suas práticas políticas e sociais, um estado vigilante de seu código patriarcal. Talvez, por toda essa atmosfera, recrudesçam e se perpetuem as regras patriarcais que regiam o comportamento da mulher no século passado.

Apesar das conquistas e de significarem mais de 44% do mercado de trabalho no Paraná, as mulheres continuam enfrentando obstáculos para a ascensão profissional. O rendimento das mulheres é 42% inferior ao dos homens. As trabalhadoras ainda recebem menos porque se inserem profissionalmente em ocupações de menor remuneração, produtividade e prestígio social. Os segmentos que mais absorvem força de trabalho feminina são os mais desvalorizados no mercado de trabalho e os que tendem a propiciar remunerações mínimas, como o setor de saúde, educação e serviços pessoais, principalmente o emprego doméstico. A entrada de qualquer bandeira feminista foi sempre dificultada por essa mentalidade hegemônica, misto de ideologia agrário- burguesa com a regência da Igreja.

A exclusão histórica da autoria feminina no campo institucional da imprensa, em especial no Paraná, foi resultado de práticas culturais que privilegiaram a enunciação do sujeito dominante da cultura, o sujeito masculino. O feminismo no Paraná tem como principal figura a escritora Mariana Coelho que na obra Paraná Mental traçou a história literária de seu estado de adoção. No ensaio polêmico, que sempre se distinguiu Mariana Coelho, gênero em que as mulheres deixaram poucas páginas no século XIX. Mariana foi uma defensora aguerrida do feminismo e, segundo Zahidé Muzart (2002), expôs entusiasticamente seu ponto de vista em várias obras, entre as quais se encaixa perfeitamente o livro A evolução do feminismo. Nele, a autora se propôs a fazer, e fez, uma coletânea de informações sobre fatos, dados científicos e pessoas que, de alguma forma, seja com suas ações, produções literárias, projetos de lei e atitudes, puderam subsidiar a defesa da tese feminista, da igualdade intelectual e de direitos entre homens e mulheres. A evolução do feminismo, embora com o mérito de compilar uma quantidade respeitável de informações sobre o tema, não é um clássico. Mariana, obviamente, é um produto de seu tempo e como tal deve ser lida. Trata-se, portanto, de obra, pelo menos em certos aspectos, datada, e a autora, em sua ânsia por subsídios científicos que contribuíssem para a implantação das idéias feministas, recorreu a teorias diversas, algumas próprias de seu tempo mas, atualmente, descartadas e outras, como a eugenia, por exemplo, que se mantém perigosamente circulante.

Nesse inventário, ela registrou a presença e as ações das mulheres nas mais variadas épocas, locais e circunstâncias. Em sua intenção de contribuir para a emancipação feminina, Mariana descreve, em tom apaixonado, feitos gloriosos, corajosos, íntegros ou generosos perpetrados por mulheres, demonstrando assim a freqüente “superioridade” feminina em várias instâncias. Ela investigou a presença das mulheres na religião, na guerra, na política, na administração, nas ciências, nas artes, nas letras, na imprensa e no amor, em diferentes épocas e regiões do globo.
Em Curitiba no início do século XX, as mulheres “letradas estavam envolvidas em uma luta para que suas conterrâneas investissem tempo em cultura, artes e filantropia, interferindo e construindo a sociedade em conjunto com os homens. Mas, nessa época – início da primeira metade do século XX –, acreditava-se que, embora tendo acesso à educação, esta deveria ser diferente daquela recebida pelos homens. As curitibanas reivindicavam espaço público e usavam os instrumentos que tinham à mão para conseguir seus objetivos: administrar os bens da família; criar arte, literatura e música; exercer atividades como operárias, comerciarias e artesãs. Com a fundação da Universidade Federal do Paraná (1912) e depois seu reconhecimento (1946), algumas mulheres, até então impedidas pelas regras educacionais daquele período, passaram a adquirir saberes universitários e ingressaram na vida profissional como prestadoras de serviço. E em todos esses momentos a imprensa cedeu espaço para a divulgação tanto de representações sociais que mantinham os velhos valores como esses ideais inovadores.

>Artigo Completo

Esta entrada foi publicada em Artigos. Adicione o link permanente aos seus favoritos.