Resposta a todo custo, o lado sombrio dos interrogatórios

Por Alaíne Gomes

           O interrogatório é um dos momentos mais importantes em um caso penal. É quando a autoridade põe-se à frente do suspeito ou formalmente acusado na expectativa de obter, dele, diretamente, as explicações sobre o fato. Com a evolução do Direito, todavia, o interrogatório deixou de ser um instrumento do Estado, para arrancar a confissão, e passou a ser uma oportunidade do indivíduo, de usá-lo como ocasião de defesa, quando, de própria voz, pode enfrentar os argumentos contra si e apresentar as razões que lhe assistem. Porém ainda hoje, muitos interrogadores saem do pressuposto que o interrogado era culpado e todo o ato de interrogar era direcionado nessa linha de raciocínio. Os interrogatórios se tornaram seções de tortura, para obter a ‘verdade’ a qualquer custo.

               No Brasil do século XX, a tortura foi praxe nos dois maiores períodos ditatoriais que o país viveu, na época do Estado Novo (1937-1945) e do regime militar (19641985). Os torturadores brasileiros eram, em sua grande maioria, militares das forças armadas, em especial do exército. Os principais centros de tortura no Brasil, nesta época, eram os Destacamentos de Operações de Informação – Centros de Operações de Defesa Interna (DOI/CODI), órgãos militares de defesa interna. No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, as ditaduras militares do Brasil e de outros países da América do Sul criaram a chamada Operação Condor para perseguir, torturar e eliminar opositores. Receberam o apoio de especialistas militares norteamericanos ligados à Agência Central de Inteligência (CIA), que ensinaram novas técnicas de tortura para obtenção de

             As técnicas de tortura utilizadas no Brasil, ao contrário da ideia de que seriam improvisos dos que aplicam a tortura, têm, na verdade, estreita ligação com técnicas desenvolvidas através de experimentos como os do Projeto MKULTRA.

               MKULTRA foi o nome de código dado a um programa ilegal e clandestino de experiências em seres humanos, feito pela CIA. As experiências em seres humanos visavam identificar e desenvolver drogas e procedimentos a serem usados em interrogatórios e tortura, visando debilitar o indivíduo para forçar confissões por meio de controle de mente. Esse projeto rendeu um manual de técnicas de tortura. A seguir está uma lista parcial das formas de tortura, que estavam contidas nos Manuais Kubark.

 1. Abusos e torturas a vítima;

  1. Confinamento em caixas, gaiolas, caixões, etc, ou enterro (muitas vezes com uma abertura ou tubo de ar de oxigênio);
  2. Contenção com cordas, correntes, algemas, etc.;
  3. Afogamento não fatal;
  4. Extremos de calor e frio, incluindo submersão em água gelada e queima de produtos químicos;
  5. Esfolamento (apenas camadas superiores da pele são removidas em vítimas destinadas para sobreviver);
  6. Fiação em lugares do corpo;
  7. Luz ofuscante perto dos olhos;
  8. Choque elétrico em partes sensíveis e não-sensíveis do corpo;
  9. Ingestão forçada de fluídos corporais ofensivos e matéria, tais como sangue, urina, fezes, carne, etc;
  1. Pendurado em posições dolorosas ou de cabeça para baixo;
  2. Deixar a vítima com fome e sede por dias, ou semanas, ou meses;
  3. A privação de sono;
  4. Compressão com   pesos          e dispositivos;
  5. Isolamento de percepção (faz com que a vítima não sinta os sentidos de: visão, audição, tato, paladar e olfato);
  1. Drogas para criar ilusão, confusão e amnésia, frequentemente administradas por injeção intravenosa;
  1. Ingestão ou substâncias químicas tóxicas intravenosas para criar dor ou doença, incluindo agentes

quimioterápicos;

  1. Membros superiores e inferiores puxados ou deslocados;
  2. Aplicação de serpentes, araneídeos, larvas, roedores (ex: ratos) e outros animais para provocar sentimentos de medo, nojo e repudia;
  3. Experiências de quase-morte, comumente asfixia por sufocamento ou afogamento, com reanimação imediata;
  1. Vítimas são forçadas a realizar ou testemunhar abusos, torturas e sacrifícios de pessoas e animais, geralmente com objetos afiados;
  2. Participação forçada de escravidão humana;
  3. Em casos, a vítima é abusada propositalmente para engravidar; o feto é, então, abortado para uso qualquer, às vezes o bebê é levado para o sacrifício ou escravidão.
  4. A vítima, recebe um tratamento que causa um efeito de abuso espiritual, que acaba causando efeito de a vítima se sentir possuída, perseguida e controlada internamente por “espíritos malignos” ou “demônios”;
  1. Profanação de crenças judaico-cristãs e formas de culto; dedicação a Satanás ou outras divindades;
  2. Abuso e ilusão para convencer as vítimas que Deus é o mau, tais como convencer uma criança que o mesmo a abusou;
  3. Cirurgia a tortura, experimento, ou causar a percepção de bombas físicas ou espirituais ou implantes;
  4. Ameaças de dano à família, amigos, entes queridos, animais, e outras vítimas, para forçar o cumprimento;

               Alguns relatos de pessoas que foram torturadas, por algumas técnicas sitadas, os relatos estão presentes no livro ‘Brasil, nunca mais’:

              Cadeira do Dragão – “Me amarraram na cadeira do dragão, nua, e me deram choque no ânus, na vagina, no umbigo, no seio, na boca, no ouvido”. (Maria Amélia Teles, ex-militante do Partido Comunista do Brasil) – Era uma espécie de cadeira elétrica revestida de zinco e ligada a terminais elétricos, onde os presos sentavam pelados. Quando ligado, o aparelho transmitia choques em todo o corpo do torturado. Além disso, muitas vezes, os torturadores colocavam um balde de metal na cabeça da vítima, onde também eram aplicados choques.

                 Pau-de-arara – “Fui para o pau de arara várias vezes. De tanta porrada, uma vez meu corpo ficou todo tremendo, eu estrebuchava no chão”. (Maria do Socorro Diógenes, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) – O pau-de-arara era uma das formas mais antigas de tortura, utilizada no Brasil desde a época da escravidão. Os torturadores colocavam uma barra de ferro atravessando os punhos e os joelhos do preso, que ficava pelado. A vítima era pendurada a cerca de 20 centímetros do chão, numa posição que causava dores lancinantes e não parava por aí. Depois de pendurado o torturado sofria com choques elétricos, pancadas e queimaduras com cigarros.

               Afogamentos – “Os caras me enfiavam de capuz num tanque de água suja, fedida, nojenta. Quando retiravam a minha cabeça, eu não conseguia respirar, porque aquele pano grudava no nariz.” (Maria do Socorro Diógenes, ex-militante PCBR). Muitas vezes o preso desmaiava, o que não significava o fim da tortura.

            Geladeira – Os presos eram obrigados a ficar nus dentro de uma cela pequena o suficiente para impedi-los de ficarem de pé, após isso os torturadores acionavam um dispositivo que, controlado por eles, alternava a temperatura da cela entre extremamente baixa e alta o suficiente para enlouquecer alguém. Somado a isso, alto-falantes reproduziam sons extremamente irritantes. Os presos chegavam a passar dias nessas celas, sem água e comida.

           Espancamentos – “Eles giravam os presos dentro das celas e os jogavam contra a parede, deixando marcas de sangue por todos os lados, meu marido tem uma cicatriz na cabeça até hoje por conta disso” (Cacau) – Essa técnica deixava o torturado zonzo e podia até estourar os tímpanos, causando surdez permanente.

              Abusos sexuais – “Eles usavam e abusavam. Só nos interrogavam totalmente nuas, juntando a dor da tortura física à humilhação da tortura sexual”. (Gilse Cosenza, ex-militante da Ação Popular, AP). Uma forma cruel de tortura, afeta tanto o físico quanto o psicológico. Esses abusos eram somados aos espancamentos, xingamentos e muita submissão, muitas vezes além do estupro, homens e mulheres tinham objetos introduzidos em seus corpos.

             Tortura psicológica – “Com certeza a pior tortura foi ver meus filhos entrando na sala quando eu estava na cadeira do dragão. Eu estava nua, toda urinada por conta dos choques. Quando me viu, a Janaína perguntou: ‘Mãe, por que você está azul e o pai verde?’. O Edson disse: ‘Ah, mãe, aqui a gente fica azul, né?’. Eles também me diziam que iam matar as crianças. Chegaram a falar que a Janaína já estava morta dentro de um caixão”. (Maria do Carmo Serra Azul).

           O site Acervo da Luta Contra a Ditadura revela que existem mais de 200 mortes oficiais no período da ditadura, contudo esse número deve ser bem maior, tendo em vista que muitos mortos foram simplesmente “desovados”, para utilizar um termo que os próprios opressores usavam. Outro número oficial, que, na realidade, também deve ser bem maior, é o de desaparecidos. O site Desaparecidos Políticos lista 379 nomes de pessoas que sumiram desde que foram presas durante o regime militar. Esse número é baixo se levarmos em conta que muitas famílias não relataram o desaparecimento dos seus entes por medo de sofrerem represálias por parte dos militares.

            Referências

Hora do Povo, 05.12.2003: “MKULTRA: CIA

Mutila e Assassina Milhares atrás do ‘Controle da Mente’”

Repressão e tortura na ditadura militar. Disponível      em <http://www.esquerda.net/dossier/repress%C3 %A3o-e-tortura-na-ditadura-militar/31936>. Acesso em abril de 2016

Acervo da Luta Contra a Ditadura. Disponível em < http://www.acervoditadura.rs.gov.br/>, acesso em abril de 2016.

A                CNV. Disponível                em <http://www.cnv.gov.br/institucional-acessoinformacao/a-cnv.html>. Acesso em abril de 2016.

Tipos de tortura usados durante a ditadura civilmilitar. Disponível em < http://www.documentosrevelados.com.br/nom e-dos-torturadores-e-dos-militares-queaprenderam-a-torturar-na-escola-dasamericas/tpos-de-tortura-usados-durante-aditadura-civil-militar/>. Acesso em abril de 2016.

A tortura e os mortos na ditadura militar. Disponível em < http://jornalggn.com.br/noticia/a-tortura-e-osmortos-na-ditadura-militar>. Acesso em abril de 2016.


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